Djico n.m. passeio, volta. Tem origem no verbo kudjika, "virar, dar uma volta", das línguas tsonga, faladas em Moçambique.

7.9.10

Maputo, quem és tu?


“Não passou de um susto”. Será esta a frase mais adequada para as manifestações que se deram em Maputo? Não se tratou de um fenómeno natural, como um sismo ou uma tempestade. Mas é um fenómeno mais do que natural perante tanta pobreza e injustiça. Será possível aceitar a fome e as desigualdades com uma constante serenidade?
Deixo aqui um excerto de um artigo de Mia Couto.
“Cercado por uma espécie de guerra, refém de um sentimento de impotência, escuto tiros a uma centena de metros. Fumo escuro reforça o sentimento de cerco. Esse fumo não escurece apenas o horizonte imediato da minha janela. Escurece o futuro. (…) Ironia triste: o pneu que foi feito para vencer a estrada está, em chamas, consumindo a estrada.
(…) Eu, como todos os cidadãos de Maputo, necessitaríamos de uma palavra de orientação, de um esclarecimento sobre o que se passa e como devo actuar. Não há voz, não rosto de nenhuma autoridade. Ligo rádio, ligo televisão. Estão passando novelas, música, de costas voltadas para a realidade. (…) Ninguém, excepto uma cadeia de televisão, dá conta do que se está passando.
(…) Os tumultos não tinham uma senha, uma organização, uma palavra de ordem. Apenas a desesperada esperança de poder reverter a decisão de aumento de preços.
Esta luta desesperada é o corolário de uma vida de desespero. Sem sindicatos, sem partidos políticos, a violência usada nos motins vitimiza sobretudo quem já é pobre.
Grave será contentarmo-nos com condenações moralistas e explicações redutoras e simplificadoras. A intensidade e a extensão dos tumultos deve obrigar a um repensar de caminhos, sobretudo por parte de quem assume a direcção política do país. Na verdade, os motins não eram legais, mas eram legítimos. (…)
Os que não tinham voz diziam agora o que outros pretendiam dizer. Os que mais estão privados de poder fizeram estremecer a cidade, experimentaram a vertigem do poder.
(…) tudo o que havia para falar teria que ser dito antes, como sucede com esses casais que querem, num último diálogo, recuperar tudo o que nunca falaram.
(…) No momento quente do esclarecimento, argumentar que os jovens da cidade devem olhar para os “maravilhosos” avanços nos distritos é deitar gasolina sobre o fogo. (…) A luta contra a pobreza absoluta exige um discurso mais rico. Mais que discurso exige um pensamento mais próximo da realidade, mais atento à sensibilidade das pessoas, sobretudo dessas que suportam o peso real da pobreza.”