Vejo Portugal como um amigo, longe fisicamente mas perto do coração. E talvez precisamente por essa razão, consigo subir à montanha e observar de longe o que se passa no meu país. Espero que ninguém fique ofendido, mas é assim que penso...
Zeca e o Portugal de hoje
Ao rever aquele que foi o último concerto de Zeca Afonso, em 29 de Janeiro de 1983, percebo como os tempos são diferentes, como as dificuldades são outras.
Apesar de neste momento Portugal ser um país desgovernado, com mais de 600 mil desempregados e as taxas de juro a subir, apesar do meu país ser mais pobre que eu, que graças a Deus e ao meu esforço não preciso de pedir dinheiro a ninguém, apesar de, segundo as estatísticas, os cidadãos portugueses terem um poder de compra 20% abaixo da média da União Europeia, ao procurar imagens de uma das últimas manifestações em Portugal, vejo jovens com casacos em pele, camisolas de boa lã e roupa de marca, tão diferente da que o povo usava em Janeiro de 1983.
Claro que temos de evoluir e não ficar satisfeitos ou conformados porque temos um pouco mais que há 20 anos trás. O problema, como bem sabemos, está nas prioridades que hoje temos.
Tenho amigos endinheirados, arremediados e desempregados e todos eles, sem excepção, vão almoçar e jantar fora, viajam pelo mundo e vão a concertos e espectáculos que esgotam, apesar do preço dos bilhetes não ter um valor 20% inferior ao praticado na União Europeia.
Actualmente, o Banco Alimentar recebe pedidos de refeições por e-mail, de quem não tem nada para comer mas a quem não falta dinheiro para pagar a internet.
E apesar de sermos um país com fome, experimentem passar à hora de almoço, pela zona dos restaurantes, num dos sempre cheios centros comerciais, e descubram que nem eles nem nós comemos tudo, há sempre restos desperdiçados no prato.
Andou o Maslow, há 50 anos atrás, a construir uma hierarquia de necessidades e mal sabia ele que as prioridades básicas iam deixar de ser as físiológicas e passariam a ser as necessidades de status, estima e auto-realização que ele colocou bem no topo da pirâmide.
Acho que se hoje o Zeca cá estivesse, cantaria qualquer coisa assim: “eles comem quase tudo, eles comem quase tudo, eles comem quase tudo mas deixam-nos a roupa de marca”.